Dez
anos após ser sancionada, a Lei 10.639 - que torna obrigatório o ensino da
história africana e afro-brasileira - ainda é aplicada de maneira tímida na
maioria das escolas brasileiras. A implementação de conteúdos de forma
transversal - em todas as disciplinas - ocorre de forma lenta em todas as redes
escolares, mas as municipais (com 46% das escolas) e as estaduais (com 39%)
estão na frente das particulares (6%).
Os
dados fazem parte de uma pesquisa do Centro de Estudos das Relações do Trabalho
e Desigualdades (Ceert), em parceria com o Ministério da Educação e a Unesco.
Foram compiladas 2,3 mil iniciativas de utilização do conteúdo previsto.
A
diretora do Ceert, Maria Aparecida Bento, acredita que a implementação seja
menor na rede particular por causa da falta de pressão da sociedade. `O alvo
maior é o governo e, por isso, as escolas públicas progrediram mais. Precisamos
avançar nas privadas, com maioria de alunos brancos, senão, a relação de
preconceito não muda.`
A
pesquisa mostra também que a maior parte das iniciativas é feita por
professores negros (59%), com destaque para as mulheres negras, responsáveis
por 52%. `As ações ainda dependem muito de atitudes pessoais do professor, sem
uma institucionalização`, diz Maria, citando a falta de livros nas bibliotecas,
materiais didáticos e brinquedos distribuídos.
O maior
número de práticas está no Sudeste (48,5%), contra o Norte (6,8%). No Sudeste,
o Estado que mais se destaca é São Paulo e no Nordeste, a Bahia e o Ceará.
`Quanto maior a população negra no Estado, mais comum é o surgimento de
práticas emblemáticas. Isso mostra que a relação com crianças negras é o grande
motivador para que os professores busquem formação para pensar práticas
pedagógicas`, diz ela.
A maior
parte das iniciativas (51,8%) surge para responder aos casos de racismo e
discriminação. O professor da USP Dennis de Oliveira, do Núcleo de Pesquisas e
Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neinb), vê o fato com
preocupação. `O objetivo da lei é formar cidadãos com consciência multiétnica,
não só resolver problema racial nem demanda do movimento negro.` Ele ressalta
que deixar de aplicar a lei é como não dar um conteúdo de Matemática ou
Geografia.
Avanços.
Cristina Teodoro Trinidad, responsável pelos projetos de educação das relações
étnico-raciais da Unesco, também identifica um `resultado perverso` na falta de
aplicação da lei. Mas Cristina aponta que, entre os avanços, está a produção de
material pedagógico e conhecimento para a aplicação de conteúdos sobre África.
A
especialista ressalta que a lei avança com a sociedade. `É um país que ainda
nega que é racista. Esse é um processo complexo e a sensibilização para que
professores compreendam a necessidade de trabalhar o tema demora`, diz.
De
acordo com a secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão do Ministério da Educação, Macaé Evaristo, há investimento na formação
de professores, no finamento de pesquisa e produção de conteúdo.
De
acordo com Macaé, cerca de 140 mil professores já foram capacitados em cursos
financiados pelo MEC. A pasta ainda cobra que novos cursos de Licenciatura
tenham o conteúdo em sua grade. `Também avaliamos se os cursos já existentes
apresentam a temática`, diz ela, lembrando que possíveis sanções pelo
descumprimento da lei cabem aos conselhos municipais e estaduais de Educação.
O
presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo
(Sieesp), Benjamin Ribeiro da Silva, rebate a pesquisa e afirma que a maior
parte das escolas particulares utiliza temas relacionados à cultura e história
africanas. `(As escolas públicas) colocam no currículo, mas não ensinam`,
afirma. Silva disse que a entidade prepara um curso de formação para os
professores trabalharem com o tema.
Fonte: Guilerme Soares Dias - O Estado de São Paulo - 18/11/2013.
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