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"Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais autêntico da palavra". (Anísio Teixeira)


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Cuba: novo agora


Imagem de Fidel Castro em Havana, Cuba - NG

Uma janela reflete a imagem de Fidel Castro em um bairro operário de Havana pouco visitado por turistas
“Quero mostrar ondes está escondido,” diz Eduardo. Péssima ideia, penso. Alguém vai reparar na gringa e estragar o plano. “Não, eu já sei como fazer”, diz Eduardo. “Você não sai do carro. Eu passo devagar, mas não tanto que chame a atenção. Aviso na hora de olhar. Seja discreta.”Ele pediu emprestada a máquina de um amigo, que é como os cubanos chamam os velhos carros americanos, ubíquos nos clássicos cartões- postais de Havana, a capital cubana. É um Plymouth 1956 de cor tão pouco discreta que não resisto a uma gozação. Abro a porta do lado do passageiro com delicadeza, como os cubanos sempre recomendam, por respeito à idade avançada dos seus veículos. Seguimos pela costa, a certa distância de Havana, até a cidade litorânea onde Eduardo e outros nove homens pagaram a um sujeito para construir em segredo um barco a motor resistente o bastante para levá-los todos de uma vez embora de Cuba.

“Ali”, diz Eduardo, desacelerando o Plymouth. Entre dois prédios de paredes descascadas, no fundo de uma viela, há uma estrutura sem janelas do tamanho de uma garagem para um só carro. “Vamos ter de trazê-lo para fora e transportá- lo sobre rodas pela viela”, ele diz. “Depois percorrer todo um quarteirão por essa rua principal na direção daquele cascalho que vai até a água. Esperaremos passar a meia-noite.”

Ele olha concentrado pelo retrovisor a rua vazia atrás do nosso carro, por isso me calo. Eduardo é um cubano de 35 anos, pele clara, cabelos castanhos curtos e porte físico de lutador. É um ex-trabalhador da construção civil, mas no dia em que nos conhecemos ele estava dirigindo um sedan coreano emprestado, fazendo um bico como taxista. Nos meses decorridos desde então, nos habituamos a interromper um ao outro aos gritos, enquanto rodamos pela província de La Habana discutindo um país hipotético que batizamos de Nova Cuba em Transformação. Ele diz que essa Cuba não existe. Insiste nisso. Replico que outros garantem que existe, sim. Menciono as muitas reportagens que li com títulos como “Mudança na Cuba pós-Fidel” e “Cuba tem nova determinação”. Eduardo revira os olhos para o céu, exasperado. Cito as alardeadas novas regras para flexibilizar a economia controlada da Cuba socialista – as leis que permitem aos cidadãos comprar e vender casas e carros, fazer empréstimos no banco e trabalhar por conta própria em pequenos negócios, em vez de apenas serem obrigados a trabalhar para o Estado.

Nada. Mais olhos revirados. “Tudo isso é em benefício desses caras”, Eduardo me diz, dando um tapinha no ombro, o discreto sinal dos cubanos para denotar uma pessoa com altas insígnias militares e bons contatos políticos.

Então como explicar que Fidel Castro tenha deixado de vez a presidência do país há quatro anos, entregando o cargo de comandante-em- -chefe a Raúl, seu irmão mais novo, mais maleável e pragmático? “Viva Cuba Libre”, resmunga Eduardo, imitando a exortação revolucionária que vemos pintada no alto de um muro. “Livre deles dois”, diz Eduardo. “Só então talvez possamos ter mudanças de verdade.”

Se existir mesmo uma Cuba em grande transformação – e por todo o país vemos cubanos travando sua própria versão desse debate –, Eduardo é um componente crucial dela, embora não pelas razões que se poderia supor. “Dissidente” é a designação correta para um subconjunto de cubanos que se manifestam politicamente, com destaque para os blogueiros cujas críticas online conquistam multidões de seguidores fora do país. Mas Eduardo não é nenhum tipo de dissidente. Não está fugindo de perseguição pelo Estado. É apenas um jovem vigoroso e frustrado, uma descrição que se aplica a uma grande parcela de seus conterrâneos. Desde que era adolescente no ensino médio, Eduardo me diz, estava claro para ele que a vida adulta na Cuba revolucionária não oferecia nada na esfera do progresso pessoal e conforto material que ele almejava. “Aqui, nada funciona!”, Eduardo vive bradando com um soco no volante do carro que ele descolou para aquele dia: o modelo econômico está falido, os funcionários públicos têm salários irrisórios, a mídia é uma constrangedora bajulação autocensurada, o governo deixa todo mundo louco pondo em circulação duas moedas nacionais de uma vez. “Amo meu país”, Eduardo gosta de dizer. “Mas está claro que aqui não há futuro para mim.”

Nas minhas nove semanas viajando por Cuba este ano e no ano passado, ouço essa queixa com tanta frequência e de tão variados tipos de pessoa que ela acaba compondo uma espécie de lamento nacional coletivo: amo meu país, mas ele não funciona. É verdade que há otimistas autênticos entre os que reclamam e, depois de algum tempo, sempre que encontro um deles e ouço seus argumentos, me pego acumulando munição para debater com Eduardo. Quero ouvir sua resposta, mas quando sou honesta comigo mesma percebo que também quero convencê-lo a desistir do barco para os Estados Unidos. (As águas entre Cuba e Flórida são infestadas de tubarões. As correntes são perigosas. Pessoas somem para sempre.)

Otimista: Roberto Pérez, biólogo ambiental de cabelos arrepiados, cheio de entusiasmo pelo progresso dos projetos cubanos de agricultura urbana extensiva e cultivo orgânico. Pérez é seis anos mais velho que Eduardo. Ele me diz que 80% de sua turma do ensino médio deixou o país. “Mas as coisas estão mudando”, garante. “Bem depressa. E aqui há muitas coisas que as pessoas não valorizam porque já nasceram com elas. Me diga em que outro país uma criança pode crescer com toda essa segurança, tomar suas vacinas, ter boa educação, não se envolver com gangues e drogas. Vejo mexicanos atravessarem o rio na direção norte para fugir de uma vida ruim. Mas aqui, por quê? Enfrentar o estreito da Flórida? Isso não faz o menor sentido.”

Fonte: Site da Revista National Geographic - acessado em 21/11/2012.

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