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quinta-feira, 17 de março de 2011

Borá - Menor cidade do Brasil em população segundo IBGE.


Mutirões fazem parte da história de Borá. Quem se lembra bem dos primeiros é o sitiante Manoel Caldas, de 93 anos, morador mais velho da cidade. Seu pai e seus tios foram os primeiros a atingir o local, na década de 1920, em grande parte mata virgem e acessível somente a cavalo. Mesmo quando um pouco de desenvolvimento chegou, ainda assim não foram poucas às vezes em que seu Manoel e outros sitiantes se uniram para tapar os buracos da precária estrada de terra, na base de enxadão e sob forte calor.
Em meados da década de 1960, cansados da falta de atenção dada a Borá por Paraguaçu Paulista, cidade da qual se tornou distrito em 1934, seu Manoel, o também sitiante Leonildo Rodrigues e o tabelião Manoel Galo foram até o então governador de São Paulo solicitar a emancipação. Segundo o relato, Adhemar de Barros só pediu que fosse feito um plebiscito para saber se era essa a vontade da população. Nesse caso, o novo município ganharia vida. "Todos queriam. Estavam cansados de fazer parte de Paraguaçu", conta Manoel Caldas.
No caminho, o sitiante quase ganhou um inimigo: um tio, que era vereador em Paraguaçu Paulista e que, até então, tinha no boraense um cabo eleitoral confiável. "Mas, um tempo depois, ele disse que não tinha mágoa de mim. Não tenho inimigos; é por isso que vivo bem", fala. E foi assim que, em 31 de março de 1965, Borá se tornou município. O primeiro prefeito, o tabelião Manoel Galo, hoje é homenageado em uma praça com seu nome e um monumento de metal que consiste em um... galo.
Apesar de ter sido poderosa durante um tempo, a família de Manoel Galo - que, curiosamente, não era de Borá - não deixou muitos herdeiros. Uma parte considerável das pessoas da cidade, no entanto, pertence ao clã dos Caldas. Seu Manoel teve dez filhos, 33 netos, 40 bisnetos e, até o momento, dez tataranetos - juntos correspondem a quase 12% da população. A mais nova da família, com 10 meses de idade, é a fotogênica Emanuelly. Como a outra ponta de uma corda que começa em seu tataravô, é também o mais jovem membro da população local.
Apesar de todas as particularidades, Borá tem problemas e qualidades como qualquer cidade brasileira. É o Brasil em escala reduzida, um laboratório em que se pode observar e entender melhor questões complexas a respeito de demografia, política, assistencialismo, desenvolvimento urbano e psicologia social.
Já em 2012, contudo, o município deve perder o título de menor do Brasil para Serra da Saudade, no interior de Minas Gerais, que vê partir a cada ano uma fração de seus 815 habitantes. Os saudadenses abandonam o chão em que nasceram por um motivo elementar no mundo de hoje: a falta de trabalho. Borá, por outro lado, tem perspectivas atraentes a médio prazo. O crescente investimento brasileiro no etanol da cana-de-açúcar talvez faça ainda do pequeno lugar um grande centro urbano.
Quando esse dia chegar, o que será da cidadezinha organizada e limpa, descoberta há pouco tempo por aposentados em busca de sossego? Para quem esteve lá no começo deste ano curioso para conhecer a nova atração brasileira consagrada pelo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), talvez faça falta a oportunidade de prosear com figuras emblemáticas, como o altivo Manoel Caldas, sempre com o cabelo penteado com esmero, camisa abotoada, cinto, calça e botina impecáveis. Ou o cabo Nogueira, o policial mais bem-humorado e bem relacionado com a população que alguém possa conhecer - prestes a aposentar-se. E seu amigo Carlinhos, o maior de todos os boêmios e dono de uma coerência capaz de espantar de os guardiões da moral e dos bons costumes que um dia se propuserem a ouvi-lo com atenção.
Nesse futuro ainda hipotético, muito mais pessoas vindas "de fora" farão parte da população e não reconhecerão uns aos outros pelo nome. E o intenso ir e vir de cartas e encomendas tornará impossíveis histórias como à da funcionária dos Correios que ficou tanto tempo sem abrir a caixa de correspondência em frente à sede do órgão que, quando o fez, encontrou uma enorme casa de marimbondos.
Os candidatos a prefeito talvez não sejam mais conhecidos por alcunhas como João do Posto, Luiz Seringueira e Luiz do Açougue. Haverá mais eleitores que os desproporcionais 924 - segundo os boraenses, gente que mudou de cidade mas não transferiu o título. O prefeito de então não terá espaço na agenda para ser padrinho de casamento de moradores. E estarão acabadas as esperanças de ver uma noiva ir à cerimônia em cima de um trator, o que quase aconteceu com a dona de casa Denise da Cruz em janeiro, quando a chuva castigou a estrada de terra que liga o sítio onde mora a uma das três igrejas evangélicas.
Infelizmente, é provável que a taxa de criminalidade ultrapasse o único assassinato cometido desde que Borá se tornou município, quando, em 2004, foi disparado um dos dois únicos tiros da história local - o outro foi dado para acabar com o sofrimento de um cachorro agonizante. E pode ser que haja um acréscimo no uso de crack, a droga homicida que já chegou à cidade e tem nos adolescentes os maiores usuários.
Por fim, há que se antever algumas vantagens na mudança. É certo que, por exemplo, haverá mais gente para homenagear e as ruas não precisem mais ter nomes como Marca do Tempo, Calada da Noite, Preço da Glória, Recanto Tranqüilo, Paraíso, Céu Brilhante, Berço de Ouro, Brisa do Passado, Preciosa. E então a vida em Borá nunca mais será a mesma.

FONTE: Revista National Geographic Brasil, edição 132, matéria escrita por André Julião e fotografia de Érico Hiller.

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